segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

HAVER DE UM QUERER



Há a morte como coisa que eu quisesse, tal é para mim o absurdo de me ir pouco mais a cada manhã, qual o trago que toca-me a libido, qual o xadrez que devora-me a rainha. Há a solidão no solstício que me vai tocar de novo e de novo uma vez mais a cada manhã. Há solidão que me é o perigo, e ao estar-me só eu desenho versos como coisas de que nem sei o nome.

Arre, minha dama impossível! Meu alecrim não soube vingar... Minha vida é sempre um perigo vibrando na pele de quem me vai tocar. Ah, minha moça invisível, eu caminhei sozinho por este campo escuro e, quando fiz amigos e fiz-me o nome amigo, tu te voltas-te ao arrancar-me o tampo...

Uma noite só para escrever-te o perigo. Uma noite para a poeira que me cobre os móveis. Uma noite apenas para sanha medonha de quem se vive a vida desenhando versos como quem morre!



CRISANTE

domingo, 30 de dezembro de 2007

SEGUNDO SONETO FEITO CASTIGO



Tornei-me a escrever um verso sozinho

Na rua em que passei tão longe de tudo

E neste (re)verso em que inscrevi meu absurdo

Um menino pairava vivo feito pano de linho


A vida toda... E toda vez eu fiz este caminho

Desenhando frases e lidas e pontes e muros

E perdi-me o espaço para este tempo futuro

Eu perdi-me a loucura, os versos e o gosto do vinho


Mas deito-me, inda, ao corpo sedento e pesado

Como quem faz juras de morte e de vida

E como quem leva paga a dor da ferida


Eu crio trapos de mim em prol de um mísero trocado

E se me dizem que vivo mal ao Deus da aurora

Eu digo que minha fé é devota apenas do agora!



CRISANTE

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

SONETO


Você, moça da enfermaria, bem que podia

Por carinho ou dedicação

Cuidar dessa minha louca e triste cria

Ainda que por amor a profissão


Você que é moça todo dia

Ainda que investida de toda dedicação

Você podia – e bem que podia –, por bem de minha cria,

Carinhar a dor desta minha viração


Mas você, moça da enfermaria, que é

Tanto de noite como tal, e dia

Tal é o torna-moinho que nos inverte a fé


Não pode, porém, em tua alegria

Salvar minha louca e triste e fria criação

De vez que você, moça da enfermaria, é a alma de minha invenção



CRISANTE



quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

DE QUEM SÓ ESPERA

Há, às vezes, nesses dias chuvosos, uma espécie de mal-estar. Acontece. Esperar torna-se um vício. Nada toca. Nada se deixa tocar. De perceptível só o som da combustão de carros a motor que se chega sempre à porta, nesses dias chuvosos.A verdade é que a vida parou como um romance que perdera o enredo, e os esforças limitam-se ao ato de negar, não existe, pois, a possibilidade, nesses dias chuvosos. Tudo é tratado como estranho; Ouço vozes no cômodo ao lado: essas não me querem dizer nada. A vida parou. Por um instante tive a mesma impressão... Nesses dias chuvosos em que desistimos da vida, nada nos pode recuperar o fôlego de vida, nada é capaz de afetar. E ficamos assim – então parados – entregues ao instante, no nosso vício de esperar...


CRISANTE

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

A UM POEMA DESESPERADO

Eu vi um poema desesperado
prostrado numa torre velha.
Pequeno poema. Doido poema.
Era uma sela aquele poema.
De desespero e loucura,
Era um menino aquele poema.


E todos em baixo da torre,
Abaixo do mundo,
Quase longe de mim
– Quis dizer que todos estavam abaixo
Onde existe a terra onde sofre o poema,
Onde morre as gentes de todo o mundo – ,
Toda aquela gente desalmada
Dizendo que não é lícito o suicídio
Matou com as próprias mãos o meu poema.


Eu aqui no meu futuro – que hoje chamo presente –,
Eu aqui no meu canto que hoje chama desencanto
Tentando respirar o ar daquela torre mesmo sabendo que
Tanta gente morre dentro dela. Eu aqui na minha solidão,
Tentando entender como tanto gente quis o mal daquele poema,
Jamais encontrarei resposta que não o próprio poema...


Eu sei que minha vida tem um pouco disso
Inclusive ontem eu rezei a Deus,
Mas vejo como eu sou: a única paz que consigo é a paz que
Vem das minhas mãos. E hoje eu vi que toda aquela gente,
Aquela mesma que estava no chão querendo mal ao meu poema,
Querem também um pouco de mim. São eles todos feitos de prisão...


CRISANTE

domingo, 23 de dezembro de 2007

ÚLTIMO VERSO PARA FICAR SOZINHO

Ninguém vai perguntar por mim
Estou no caminho de ir embora
Indo para falar de ninguém
Coisa que fui nalgum outrora
Porque eu virei um monstro...
Estou indo ninguém perguntar por mim
Calado para ver se é melhor
Gritando para assustar o socorro
De alguém que não me conheceu


A vida toda eu fui assim
Sempre um verso para não morrer
Destroçado por minha grande mãe
A que me criou este doido
Que ora fala, ora vê
Estou indo ninguém falar comigo
Para ver se a dor assim se torna menor
Como algo que possa querer
Estou indo agora ninguém ser meu amigo,
Estou indo agora por onde eu possa ir,
E amanhã estarei dormindo...
Amanhã. Antes de você.


CRISANTE

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

BALADA DO SOLITÁRIO

Neste mundo de todas as coisas
A que se chama o agora
Nenhuma letra escreve-me o nome
Tudo que vem é esperado
Como tudo que um dia vida
Inesperadamente chegou-se ao fim


Espelhos permanecem calados
Afetos como pessoas não são encontrados
A poeira dos móveis me faz tossir
A brisa que passa leva alma e alegria
Correm nas paredes vultos imperceptíveis...


CRISANTE

PEQUENO CASTIGO DE RUA

Por fazer desses versos versos duros
De vez que não há motivo
Nem dor e tampouco alegria no que vivo
Passo sozinho cultivando muros


Ah! Rua, ruazinha pobre e vazia.
Tão vazia de si é a rua por que passo
E também a lua (coisa tardia)
E também a cor de um bicho que caço


É cor suave, solta como um braço.
Essa rua por que passo sem me ver
(Essa que guarda a espera em seu traço)


Essa rua é toda minha poesia
E diz, silenciosamente, que seria
Inda mais poesia não fosse eu apenas querer...

Crisante

À Capitú: Sereia, louva-deus e flor

´´Quando jurei meu amor eu trai a mim mesmo...`` (um doido aí)

Não careci de mais de três pontos para fazê-la mostrar Essa enorme língua...

Como seria tua cara de menina brava no cio? Aparentaria Aquela rosa com seus espinhos?...
Rosas que se buscam intimamente.
Rosa com seus apelos de rosa
Irmã da tua irmã que também se chama rosa...


Mas apontaste teu espinho para minha carne lisa.
Meu sangue escorreu até a base do
Teu corpo...
Estás suja de toda parnasiana beleza
Meu sangue limpo quase consegue
Sentir-te o cheiro do sexo


Capitú e Crisante: feitos suor e sangue.
Misturados a bem dessa vida pouco sabendo um do Outro...


Mas é apenas isto a que podes ver
Tão logo não saibas o que há
De engano na cama de minhas putas

Minha flor de cactos, já morri todas as mortes que Poderia morrer. E se sou inda um inocente é que toda essa Vida eu não fiz valer a pena...
Quantas cabeças minhas podes arrancar?

CRISANTE


segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Gozares...

"A primeira lei que a natureza me impõe é gozar à custa seja de quem for" (Marquês de Sade)

Tua inocência assusta
Teu pudor ensurdece
Pobre poeta
Só, se toca... padece...

Teu esmero encobre
Teu viver comportado
Inseguro mancebo
Moralista, enclausurado...

Tua fala não engana
Parnasiana poesia
Como? Poeta?
Poeta sem boemia?

Tua retidão, teus valores
Meu corpo no cil despreza
Eu no ápice da luxúria
E tú, rezas...

Teu pudor lhe cega
"Não queiras tu estar ao meu lado"
Quero-te em cima
Em baixo, dentro, suado...

Enquanto te arvoras
Em guerras coloquiais
Meu poema feito aviso:
Ai, ai, aaaiiii

Capitú

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

POEMA FEITO AVISO

Se te lambes o próprio dedo
É que também te podes desejar,
E o veneno que é teu, Capitú,
Que é em tu o teu lugar,
Tem o gosto de Judas.
Alimento do beijo que te vai matar.


És tu que não me sabes o nome.
Eu que me vou tão jovem,
Eu que nunca em mim me
Soube estar... Eu não tenho torpor,
Eu não quero torpor, não possuo,
Nem me quero, doravante, enganar


Não me compare, pois, aos Padres que
Te cheiram o assento, tampouco
Me diga por sob o choro surdo dos crentes!
Não sabes tu, Capitú, que teus pobres
E cegos espinhos mal me servem aos dentes?!
Não, eu não sou este de quem tu falas...


Não trago em mim espécie qualquer de
Romantismo, nunca em minha tola vida
Cantei a alguém canções de amigo.
Não, Capitú, não sou eu este mancebo
Poeta de quem tanto falas...
Se reconheces então em tu o teu perigo


Como te podes tão ingênua, perdida
Em teus domínios, achar que te
Quero ao meu lado, ou que te deva o temor?
Ah, virgem moça inconseqüente...
Como pôdes, a mim, dirigir tal sentença?...
Feito de facas, horas e mortes
Desejo-te, como a outra: sexo e imprudência.
Bela Capitú, não queiras, pois, a minha presença.
Não queiras tu estar ao meu lado... Não queiras jamais
Saber-me o nome!



CRISANTE

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Resposta a um comentário

O esmero de algo, a intenção oculta... um dom! Quisera ser um "dom" para qualquer transeunte que se vai, que se vem... mas não, não sou um dom! Sou como o vento que passa em um dia de verão, sufocante calor... trago refresco, mas da mesma forma levo poeira aos olhos... não, não estou perto... não me capturarias em seu torpor poético, Crisante, até porque não há torpor, não conheces o torpor, não sabes o fel que há em ser ludibriado por minhas curvas e ser abandonado sem pudor, piedade ou consideração... não, mancebo poeta, não é um dom ter-me, não o queiras... tenho em mim muitos espinhos, e nem todos estão dispostos a lamber os dedinhos, quiçá prontos!

Capitú

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Contagiante viagem ao mundo de mim

Sou um vício, um vício de ser palavra
Escárnio, melhor dizendo. Se falas,
Vou-me andando, caio seco
Sou como a tristeza feminina
Mas deito-me inda pelo prazer do sexo.
O amplexo que o algo define 'tal coisa alcalina
Que não sabe lidar com coisa alguma',
Sem motivos para ser diferente...
Sou também poeta (como coisa indefinida)
Zombaria! Troça! Sarcasmo! Motejo! Galhofa!
Isso mesmo de que falei; essa PORRA que comporta
O nome coisa e que não é NADA além de ela mesma –
Rosa temporã do mistério que criaste-me.
Sou Caio, ou este meu nome:
Galhofa/motejo/sarcasmo!
Que é este o meu batismo
Destituído de qualquer definição,
Para ser nada disso!!!


CRISANTE

Tabelionato dos Prazeres

Meu mundo de encantos
Eu vivo a sonhar
Regaço infantil
As mil aventuras
Pudica criança
- Mas que homem viril!

Lembranças e afagos
Boneca de pano
Pirlimpimpim
Sonhar, faz de conta
Sou fada, sou anjo
- Vem, pega em mim!

Andoleta, esconder
Correr, cai no poço
Biscicleta, garupa
Desenhar, fazer careta
Mímica, gargalhada
- Isso, me chupa!

Comer fruta no pé
Lambuzada de manga
Chupar melancia
Pipoca na praça
Correr de pirraça
- Vai, enfia!

Mochila rosinha
Sapatinho branco
Uniforme escolar
Merendeira recheada
Caderninho enfeitado
- Ai, ai, aahhh

Banhar nua no rio
Andar descalça
Colher flor, cheirar rosa
Cantar a ciranda
Jogar na varanda
- Desgraçado, goza!

Em mim moram duas
Distintas e lindas
Inferno e céu
A criança carente
A puta indescente
Qual destas sou eu?

Capitú

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

MICROCONTO


Marcos Vinicius pensava fortemente. Marcos Vinicius era de personalidade forte, homem breve, agudo em suas tomadas. E Marcos Vinicius era um homem morto, corpo estendido num beco de uma ruela qualquer de alguma favela carioca. Mas vestido ali de sua palidez de defunto – entre formigas, aplausos e a sede do povo – sabia-se: Marcos Vinicius, filho de Sérgio e Isabel, era o dono do morro...

CRISANTE

À moça que passa...

METAMORFOSE

Vai a falta de sentido
Duma trama vã
Pela barra do vestido
De alguma avelã

Vai sorrindo passar
Fazendo figa
Num veio solar
De alguma intriga

Como uma rosa na mesa
Que o tempo decide
Ou mosca que nunca incide
E logo enfrenta a madureza

Vai sinhá trescalando vileza
Num ponto qualquer
Vai dissolvendo a tristeza
E, de amor, se torna mulher!...


CRISANTE

Louca



Foice e sexo

Tua palavra embala

Vórtice

Ou signo da cabala


É saber que goza

Alice em seu país de

Maravilhas

Não é coisa como prosa


Nem é tarde como o dia

Nem é hora, nem é lítio

Outra...

Deita o nome e porfia


Foice e sexo

Tua palavra embala

Mas se te chamam

O que irás responder?


Louca !

Teu delírio finge

Teu abraço mata

Teu amor sufoca

De tanta liberdade


Mas se te chamam

O que irás responder?!

O que será o teu nome

Onde será o teu ser?!


O que podes então

Louca!

E teu signo poesia

Deixa o vento passar


Deixa o rio passar

Deixa a morte passar

E se ri

E se mata, e é vida, quem diria?!


O teu nome, Capitú, não

É fácil como o dia!



Crisante

Cantar torto

Meu cantar é pobre e não se faz
Do chorar inquieto ou de inspirações bucólicas
Tampouco se arvora
No poetar da inalcançável criatura
Meu cantar, igualmente déspota e anárquico
Não se comove com o atroz sistema
Capital
Social
Filosofal...
Romantismo, intelecto, estética
Vil Parnasianismo!
Os famintos da Etiópia
Os fartos de Adis Abeba
Vozes do mundo
Meu cantar vos despreza, meus gemidos os olvida

Meu cantar é pobre e não almeja
A Terra Santa, mas o bacanal
Pois sou a vós da que acasala no deserto
A lambida do Judas traidor
Cobra penetrando Eva
Sou o nó onde desata a ironia
E ao pé dos devotos hipócritas
Meu cantar trepa, geme, goza...

Meu cantar é pobre e ira
No encarcerar da torpe moral
Excremento aos bons costumes!
Falos nas traseiras dos respeitáveis!
Nos bastidores desta peça hipócrita
Cair de máscaras
Sou gozada por um nefasto infernal
Cínico patriarca, falo flácido da moral!
Com a bandeira patriota
Sodomizo a safada
Mãe de família, meretriz disfarçada!

Meu cantar é pobre e seu vício
Imoral, amoral, anal
Fala dos falos, degusta os lábios
Acalenta os seios, arranha as costas
E sua digna paixão
Adultério
Em si mesma existe, a si mesma completa
Escarnece de heróis e santos
Zomba da amizade fiel
Pois a hedônica saga do meu cantar
Traição é prazer
Vício é vida
A arte... delírio!

Capitú

O Céu De Cada Torre



É estranho...
sabê-la intangível,
Na incompreensão dos fatos
Mortificada, e vivê-la
Por metáfora mnemônica
Como quem vive sem estrada.
Em lugar do calor surgida,
Desfigurando os últimos passos
Daquela nossa dança,
Ela vem e vem...
Cheia de laços; por sob a pele
A carne é uma espécie de loucura
E em nada trama passiva se ocorre
No seio da chama por bem da própria morte.
A mulher é um estado de graça –
E de engano, e de loucura – musa das orgias
Soporíferas, trânsfuga da noite e da manhã.
...A mulher é estado de graça...
Engana o sexo; a vontade é o punhal de sacrifício
_Puta...puta,puta!
Diz o homem e não se engana
E já não é problema ser puta
Já que toda mulher é puta quando ama.



CRISANTE

POESIA



Fico vendo a poesia nascer

Mas me faltam palavras

Sobra-me o sono

O sono ideal

Sobre a lenda e o arco



Sou esta coisa mudando
Certamente isto de que
Se ouviu falar e que nada
Além era...

Pássaro de asas cortadas
Nau perdida que talvez
Nalgum outro dia deixou-se
Velejar...

Moças na calçada vestida
Do sonho dessa nossa conquista
Insondável...

Sou como o mar que marulha
Dentre coisas tantas,
Um afeto sempre a se dar...


CRISANTE




sábado, 24 de novembro de 2007

Ambígua

Que arte dissimulada
Aqueles olhos a fitar-me
Querer, manipulação
Me sinto em perigo
Fera no cil
Desprotegida, a ser traída
Por meu insano desejo
Aventura proibida, néscia luxúria
Meu pensar, suor, calafrios
Despir-me em seu pegar másculo
Senti-lo em mim, estremecer...
Seus olhos me fogem
Mon homme désiré
Oculta-se, a chamar-me
Persigo, louca, cautelosa
Encontro em trevas
Longe de olhares e olhados
Ofegante
Trêmula
Faminta
Sascio-me néscia
Sinto sua essência em meu céu
Acolho sua firmeza, delirante inferno!
Sobrevoam-nos lúgubres vultos
A entrelaçar-se com angélicas criaturas...
Delírio... demônios em êxtase
Gemo
Sufoco
Explodo!
Retorno às luzes
A dissimulação do desejo
Agora satisfeito
Regressa aos meus olhos solitários
Olhos tristes, cabisbaixos
Olhar de mãe patriarcal
Fitar de esposa submissa
Olhos medíocres

Capitú

sábado, 10 de novembro de 2007

CLARISSE

Porque vi a noite e ela me impôs
O silêncio, ela quis amor e chamou minha imagem...

Silenciado, assim, trancado
Dentro do olhar que o tempo fechou,
Eu provei o sal de suas lágrimas e
Busquei meu lugar no esquecimento fantasiando minha primeira paixão

Ela quis o amor e chamou minha imagem por onde nada fez sentido; e seus ombros, seus ombros se Abriram para o abraço que pedi...




CRISANTE

ANJOS

Ah, Deus!
Por que criaste-me deus dos caprinos
Com cegos chifres retraídos?!
Por que não quiseste-me Afrodite
Para matéria bruta da lisa flor?!
Eu que a cada dia provo,
Semiergo-me, a cada dia,
Do intercolóquio das minhas pulsões,
Como João Silva, trabalhador, ajudante de pedreiro
Da construção civil. Porque não me faço valer!...
Deus, eu te confesso: se houvesse em ti um deus
E houvesse em mim um Diabo, eu levaria
O menor de teus pequeninos e com ele sujaria
Por longas noites o meu já tão sujo canil!



CRISANTE

MOTIVO

Eu me tornei poeta por não saber falar...
Me fiz no cerne dessa dificuldade que em tantos se acha
para chegar ao ouvido da moça, do velho, do amigo e de quem mais for.
Não soube de outro jeito expandir-me, sair de dentro – esse que não existe – e cair entre, lá onde é possível o afeto. É que sou desses que amam, sou dizer torto, torcido
– exatamente assim –, e é tão logo que não sou nada...
Mas eu me fico no poeta, homem retraído prestes a explodir num beijo...
Ah, se pudesses em ti confortar um ou dois destes versinhos, saberias também que nada neste mundo é se não for por amor e que nada se pode ser se não se for amar, antes de tudo...


CRISANTE

terça-feira, 30 de outubro de 2007

INSIDE OF ME

Escrevi um verso,
Um verso pesado
Vindo de mim,
De dentro de mim
- Acidente de mim -,
E bebi um pouco d´água

Escrevi um verso para ser em mim
Como fôra teu cantar
De canto sozinho,
E tento lembrar

Moça que fica, fia sozinha
Que um trem já te vai passar
Que o meu verso - o meu carinho -
Não é assim de hora em hora
(É sempre noturno meu versejar...)

Olhos de coruja e o meu versinho
São assim como vizinhos
Que não se sabem encontrar
Mas que vivem o mesmo tempo,
Bebem da mesma sede
E se afogam no mesmo bar

Moça que fica e teima sozinha
Sossega que já te vem passar
Aquele meu verso que esqueci,
Que é como a noite
Nos olhos de uma coruja
Que só se queda ao teu olhar
Aquele verso que eu fiz... eu fiz de tudo por apagar...


CRISANTE

ESTA NOITE

Esta noite.
Porque é melhor que seja hoje
Ou nesta hora, e seria formidável
Acordamos juntos nesta manhã.
Vermos que existe agora
E todos os amigos - todos muito ocupados -
Existem agora
E se estes tão apressados vivem
Existe um lugar que é sempre domingo
E é pra ser da gente
Mas me disseram, chamaram-me
De leão, que eu era um leão
E viveria assim só para ser leão.
Que amanhã seria melhor,
E cortei meus pulsos
(Eu amei cortar-me os pulsos)
MEU VERMELHO-INCOLOR
Eu sou homem... não sou leão...
O sangue derramado
É meu jeito de amor...


CRISANTE

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

CANTIGA DE UM AMIGO

Apoena...
Tua presença.
Tão feita de silêncio
É tua presença.
Ocorreu-me agora, como que
Do nada, em trocadilos
Estamíricos em Estamira.
Mulher, que olhos tão castanhos
E negros... e escuro me causa tanto medo.
Negro, um estranhamento...
Mas tua pele branca, tal como que para mentir teu Segredo,
Deixa tudo muito claro, mas ainda existe medo.
Trata-se de Apoena, Rita, este é um grande problema
E quando vejo lá no infinito que vai muito além do infinito, quando vejo lá aquela espécie de poema,
Trata-se de mim, Apoena...

CRISANTE

CANTIGA APOENA

É verdade, das vezes que li,
Das vezes todas em que a li,
Veio-me esta mesma estranha sensação
E, como que para subtrair-me a tristeza,
Ainda que sem intenção, Apoena, menina,
Aconteceste em mim; assim, a modo de dizer
– eu insisto –, és tu, Rita, um estado de coisas cuja
Multiplicidade comum, neste exasperado mundo, nos conduz ao
Instante infinito.



CRISANTE

sábado, 20 de outubro de 2007

AH... O NOSSO AMOR!

APESAR DE TODOS OS PESARES,
CONTINUAMOS EM VIDA O NOSSO AMOR.
PORQUE É SEMPRE MELHOR AMAR,
SEM IMPLICAÇÕES FUTURAS QUE NÃO O PRÓPRIO
AMOR


APESAR DE TUDO, CONTINUAMOS SÓBRIOS
- IM-POS-SI-VEL-MEN-TE SÓBRIOS. UNIVERSAIS
QUE SOMOS, AQUI CONTINUAMOS AMANDO
O NOSSO AMOR, PORQUE É ISSO QUE FAZEMOS:
AMAMOS O AMOR!


POUCO IMPORTA A CRIANÇA, O VELHO OU
SEJA LÁ QUEM MAIS FOR
OU QUE SEJA ELE MÉDICO, ESTILISTA,TURISTA
OU QUEM SABE ENTÃO ATÉ UM LOCUTOR
AQUI AMAMOS - SIMPLESMENTE - EM VIRTUDE DO AMOR,
APESAR DE TUDO!


MAS DAÍ A PENSAR QUE TODA GENTE - INCLUINDO ESTE POETA -
AMOU DE FATO E VERDADEIRAMENTE QUEM QUISER QUE SEJA
TORNA-SE UM EXERCÍCIO UM TANTO QUANTO QUESTIONÁVEL
SEMPRE QUE SAI NOS JORNAIS QUE PEDRO LEVOU SURRA
PORQUE AGUENTOU CALADO O PAU DO ANTENOR!

CRISANTE

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

CANDELÁRIOS

Palavra que se diz da boca desses meninos mortos
Estatela-se nestes tempos de madureza
– de pesados anos que se fiam à porta, e,
Acho eu, não me hão de dar sequer certeza.
A noite descreve-se em orbitas, eu me fico à cama e em
Longos espaços, turvos espaços; Moça aninha-se em meu peito em cansaço
De amar, noturnamente, um amor que é só dela...
[...]

Não ter lugar, terreiro algum em que se possa derramar modos...
Alegra-me apenas a idéia de tal formosura
Em moça amantissimamente devotada, e,
Inda que me faça o pesar, permito-me,
Derradeiramente, (co)mover-me por estes encontros
[...]

O homem antes; meninos mortos em dias de criança
Porque a vida só se ri nos confins da memória
É aí que percebo que grande sorte é dada a este candelário moleque
Que a vida fez tudo por apagar, e que sinto agora carinhado
Pelo cansaço dessa moça – prestes a se apagar – mais que tudo
Em minha vida...
[...]

´´Desejo.É bom ser criança...``


[...]




Escrito numa tarde de 2007, sob forte influência de atividade vulcânica





CRISANTE

sábado, 13 de outubro de 2007

ARIANA MULHER

DA HORA PRIMEIRA, O RISO.
VOLVE O ROSTO E PASSA.
ARIANA MULHER,
VOLVE O ROSTO E PASSA
-COM SEU RISO SEMELHANTE.
APÓS MIM, SEUS PÉS CAMINHAM,
LEVAM-NA, MAS FICA-ME O RETRATO,
ARIANA MULHER...
NESTE MINUTO EM QUE ME DEIXO
EM FACE - COMO QUE EM FACE -,
DEIXO-TE MEU SANGUE, PRECISAMENTE.
E NADA POSSO, E NADA QUERO, SENÃO
QUE TE FIQUES, EM MIM E APÓS MIM, INTACTA,
SUBLIME EM TEU ESTADO, ARIANA MULHER...

CRISANTE

EU

Poeta, teu alimento é a fome
De modo que nada mais te resta
Em face sois avesso e até teu nome
É coisa de se deixar – coisa incerta.

Poeta, tens a fome que o alimenta,
Um querer equivocado e infantil
E qualquer coisa que se inventa,
Coisa qualquer que se sentiu.

O que mais te falta? O que queres mais?
Um tributo, uma prece, um seio cais?
Algo que em ti possa mastigar o sono?

Talvez – isto eu digo sem saber –
Haja ainda, poeta, algo de se perceber
Talvez, quem sabe?, possa haver um outono...

CRISANTE

SOBRE O AMOR DOS PAIS

Porque escrevi minhas palavras
Com o pedacinho de giz que atiraste ao chão
E dele fiz meu mundo
Pedacinho de giz com que pintaste meu nome
...Outra vez menino para as coisas da vida...

CRISANTE

DO AMOR DE ONTEM

Como fosse aquele retrato todo o tempo que passamos juntos
E inda a expressão mais viva da amizade que te guardo
Como dois estranhos caminhos que se cruzam
No caminhar de outros pés pela vez derradeira na vida
E porque todos os caminhos são breves em todas as vidas
Talvez por isto ou por qualquer motivo outro que se desconheça,
Talvez por isto te tenha em mim, secretamente, na falta que te tem teus amores,
E que, ao te ter, te possa encontrar dentre todos os afetos e envolver-te a ti minha fictícia
Melancolia...

CRISANTE

POEMINHO DO SÓ

Poeminho, onde estás?
Aqui sob essa grama?
Quem sabe?, enfim no meu lugar
Não me deixes, então... Tão carecido de ti,
Meu infante poeminho, que até a minguante lua
Urina dor em meu caminho


Mas aí ouvir dizer que foste
Então um passarinho, causou-me inda remorso
Meu pequeno, meu estranho poeminho
Chamado como faz o só,
Rompendo, em última instância, o falso
Senhorio, deixou-me antes o poeta,
O poeta em teu caminho...


CRISANTE

QUEDA EM DOIS TEMPOS

Mas existe a queda
Olhar esquivo, certamente.
Não-ser assim
Outro modo na vista


Dos olhares UMA busca
O que busca o olhar?
A fazenda viva?
O concreto de cada vila?


Mas quando se ama em força
Aninha-se a brutalidade
Porque é amor corrente
Na veia vida deste vaso
É amar no seio e amor no sexo
Porque é vida e não é moral
É amar antes, é amor plural
De gente pra gente.
Não precisa esconder o rosto...

CRISANTE

Dia das Crianças


Acabei de chegar do cinema.
Fui só – como tem sido ultimamente, mais que isso, como tenho me sentido ultimamente.
Estar só não necessariamente implica você se sentir só, mas é o que eu sinto, fazer o quê?

Vi sua mensagem.
Feliz dia das crianças!
Realmente, felicitações recíprocas, porque se engana quem acha que já atingiu o poço da maturidade e não tem seus momentos infantis.

Voltando do cinema, ao parar em uma sinaleira, pensando (pra dizer a verdade não estava pensando em nada, estava era cantando a música que tocava no rádio), vi duas garotas, uns 12 / 9 anos, vendendo alguma coisa.
Aí eu entendi porque o nome do dia é no plural. São mesmo várias crianças.
A do sinal, a de minha casa, a do morro, a de dentro e a de fora do carro, a de dentro e a de fora do contexto, a que sabe e a que não sabe que é o dia dela.
Em que pese tantas vírgulas, é dia de todas elas.

Não cheguei a ficar triste, no máximo reflexiva. Ultimamente ando resignificando tristeza, e por isso não quero usar essa palavra, ficou comum demais.
Só pensei que queria ter um presente naquela hora para dar àquelas meninas!
Ah, elas precisam de muito mais que isso, diriam os velhos chatos de plantão. Não dê isso, não dê aquilo, vamos fazer 564 reuniões pra discutir a raiz da questão (sem nenhuma referência ao PT aqui).
Numa boa, ali a única coisa que pensei foi: elas precisam sorrir!

Fui pra casa, o sinal abriu.
O delas talvez tenha continuado vermelho.
O meu também, acho.
De formas diferentes estamos todos vendendo alguma coisa. Uma bala, uma caneta, nossa indignação, nosso silêncio...
Pague um, leve três!

E viva os Renans!
E viva os Lulas!
E viva as crianças!


Anna O.

domingo, 16 de setembro de 2007

Subterfúgio da condição



Ouça o som do vento, o crepitar das árvores e a tempestade...

Quisera eu sabê-los...

Além da tempestade há o silêncio. O silêncio pacifica, mas as dores gritam por dentro; o silêncio pacifica, As dores gritam...

Dores são elos perdidos, e a vaidade fala: Estranha criatura que busca o mundo tateando o nada!

Porque é dela o seio da espécie e a partir dela tudo se transforma em existência vazia – vazia, pois nada se faz notar –, diante dela, feia é a flor e o derramamento de cor dos hemisférios.

Enquanto ser castigado, luz é que me falta; e vens atrevida do teu nicho; maldita és tu mulher, malditas são as flores da tua beleza e os arcos do teu poder, pois de mim foste a morte, e de tudo que creio. Tu que foste um dia a estrela maior do meu devaneio, musa infindável de poesia infinita, és agora o âmago de toda tristeza.

Fratricida do amor és agora!

Mas nunca, eu repito: NUNCA!...

...hei de perdoar-me por tê-la mandado embora!



CRISANTE

QUANDO EU ME FOR EMBORA




Quando eu me for embora, Maria, não
Te tranques em teu coração,
Nem te bastes às minhas promessas.
Tampouco te bastes nesta dor de paixão.

Quando eu me for, Maria, embora
Deixar-te-ei os dias, deixar-te-ei auroras
Por isto, meu amor, Maria, não te tranques
Em teu coração quando enfim chegar-me a hora...

Lembra-te só das coisas miúdas
(Quão triste foi a lua deste nosso amor)
Verás então – não menos absurdas –
Pequenas contas de fé que em ti este poeta regou

Lembra-te apenas das tardes serenas,
Dos beijos e risos, das noites em flor
Saberás então – em dores amenas –
Que a morte, Maria, é muito pequena pra quem já amou...

CRISANTE

ELEGIA




Hoje me falaram da possibilidade.
A possibilidade como algo que não quero
Por isso vim renovar meus votos
Quebrar de vez a possibilidade
De não ser por ti
Pois só tu tens o direito de não ser por mim

Só tu te reservas, só tu te ausentas do rosto que
Levas – é treva íntima teu nome
Este rosto teu... Esta cara!
É teu dever não ser por mim.
Do alto de tua tristeza, transbordo...
Supero a alegria!

E deves tu não ser por mim
E tão logo já não deves nada
Tão logo já não deves
Sequer um dia deveste

(Eu não tenho o teu nome)


CRISANTE

sábado, 15 de setembro de 2007

o príncipe e O MENDIGO


Desde o início, mesmo antes do bem e do mal,
certo e errado se acasalavam
de modo, e modo tal, que a natureza
– aquela que esquecemos ali no canto –
travestiu-se de homem a fim de se prejudicar.
´´Que danadinha que ela é`` disse o patrono de coisa alguma
e, vejam só, ele também é homem.
Pia...Até parece que ele tem condições de tecer comentários concernentes à pobre maravilha do ser que é. Agora, remontando à gênese do problema, que, diga-se de passagem, nem chega a isso, digo ,em detrimento dela, a natureza, que estão todos errados nesse ponto, de maneira
que a única que pode estar com a razão (se é que isso existe) é ela, a mulher do retrato...


CRISANTE

Partimpim



Ser menino...
Já faz um tempão que busco isso
E posso lhe dizer: Não é fácil ser menino
Nos dias de então

Lá fora a mulher, ela espera seu expresso polar
Pobre mulher que espera
Pobre de mim que não sei sonhar

Eu que busquei a palavra mágica
Pobre de mim. Eu não sei sonhar.
(Minha espera acaba quando o ônibus chega)

CRISANTE

À PARTE EM MIM



não existe vida
quando existe vida
quando existe vida
existe morte e risco
e existe vida
quando existe vida
existe morte existe vida
é quando não faço força pra existir

CRISANTE

terça-feira, 4 de setembro de 2007

MATEMÁTICA



Sempre tivemos terríveis problemas

De incompatibilidade, a matemática e eu.

E digo-lhes que nunca em minha vida achei-me

Em culpa ou em divida. A matemática é que sempre

Perseguiu-me com suas minimalidades e seus estados

De humor caóticos. Sempre reclamando, subtraindo sempre,

Ora dali ora daqui, qualquer causa que, em mim, lhe fizesse absoluta.

Será que não entende que sou poeta, que ocorro à margem do numeral, e se

Sou quem sou é que do amor não me fiz ausente?!

Ah!Nunca hei de engolir o numeral. Prefiro é ficar aqui com meus versos, daí então,

Se ao acaso alguém perguntar, digo apenas beber um copo d`água .



CRISANTE

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

INÍCIO



Vejo as janelas...

À tarde que se faz aberta

Que transforma carne

Lembranças, ônibus e faces.

Sinto o golpe. essência rude

Destes versos me faz um riso.

Mas não é riso, não se ri.

É típico meu espanto, um espanto

Típico e latino, cem mil vezes latino,

De quem não sabe o que se quer

Desta vida.

E destes vales catatônicos

–Sim, eu me vejo aberto –

Abro ainda o rio da manhã

Do eclipse dos olhos meus

Para ver nascer-me amor

Para saber que sou em ti

E que nada é quando não te sou

Mas a carne é feita de cios

E o amor, pouco demais,

Não conhece o coração...



CRISANTE

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

LÍRIOS


Os lírios que as noites trazem

Desenham-me cenas de morte

Ali, por mais que as dores casem,

Entre os caminhos, nasce, amor, o norte!


E faz-me assassinar íntima sombra

Que é o rio ancestral de tua peste

E a zombaria que o Estado veste

O povo não pede, amor, compra!


Mas quais foram os termos acertados?!

Mais que o vício, o teu corpo mutila

Enquanto, em pares, faz-se a fila.

E arrancam-lhe as mãos os deputados!


Ah! Pátria minha que as cores não sabe

O amor que é teu ao amor não cabe

Mas é divino o canto deste teu coral

Este canto feito todo de lágrimas e cal!


Se eu tivesse vida...Amor, se houvesse

Vida na cor deste céu que escurece

Este filho torto, este teu carnaval

Tudo isto morreria enfim, amor, no teu funeral!



CRISANTE

terça-feira, 28 de agosto de 2007

O RIO



Minerva, um doce nome para uma mulher. E sabia Marivaldo que sua vida não mais seria a mesma. Ele que naquele dia saíra de casa carregado de todas as aflições possíveis, soube, naquela hora, no segundo exato da ocorrência, que sua vida estava para mudar num breve espasmo de alegria. Porque ela, Minerva, herdara da vida o olhar de sua já falecida mãe, mãe amada que a morte lhe soube tirar cedo demais – Marivaldo, que nunca na vida conhecera o pai, perdera a mãe, quando ainda criança, por motivos até ali desconhecidos vindo então a ser criado por sua tia, no estado do Paraná, sob rígida educação católica. De Minerva pouco se sabe, a não ser que ela era mulher de personalidade forte que aparentava seus trinta e poucos anos, um tipo que vivia para o trabalho, e que era solteira por condição.

Mas lá estavam, Marivaldo e Minerva, frente a frente, como os dois estranhos que de fato eram ao mirassem em inversa busca íntima, procurando um no outro qualquer coisa de verdade que lhes pudesse acusar. Mas era pouco para eles, e Minerva era como um trovão, feita de danos e inúteis papeis, simulando sob sua fragilidade mulherio o aspecto áspero de sua função; já Marivaldo era homem entre os homens, feito de afetos e valores sujeitados do pretérito imperfeito de sua saudosa e velha infância, para ser quem era e causar choque.

Enfim, de tudo, surge a primeira palavra, a palavra primeira de um tenso diálogo que Marivaldo travava consigo desde o primeiro fitar de olhos de Minerva, e que só então se fez perceber.

– Ora...

Por conseguinte, a partir dessa palavra, deu-se todo seu pensar, na irreversível forma do diálogo.

– Ora, será que devo?...

–... É inevitável agora que estou aqui... Mas me sinto tão tolo e assustado...

– Não deveria ter vindo! Raciocinava Marivaldo, entre rodeios, quase que desistindo daquele embate, num estado de profunda hesitação. Minerva, por sua vez, do outro lado – lado de fora –, permanecia a fitá-lo em silêncio, esperando dele algum tipo de espontaneidade – presumo eu, ainda que pouco saiba de seus pensamentos.

Assim seguia cada segundo, e todos somaram a eternidade que jazia sob a sombra íntima do duvidoso ´´eu`` de Marivaldo. Todos os seus pensamentos transbordavam, e ele os multiplicava, e tudo vinha à tona, e tudo era amargo e mordaz, como tudo de vida que mais vivera – sim, porque Marivaldo era homem dos mais sofridos, e por isso estava ali, frente a Minerva, por isso estava ali a fim de confessar-lhe sua mais profunda dor.

– Essa mulher, Minerva, ela pode me ajudar. Ela tem um olhar que lembra o da minha mãe, mas ela não é minha mãe...

– Quantas noites não dormidas pensando nela...

– Eu não consigo mais, não posso mais!

– Como pude então?!

– Se eu não tivesse saído mais cedo...eu não a encontraria...eu não...

Transbordava Marivaldo, e seus pensamentos, como um vulcão prestes a explodir em furiosa erupção, misturavam-se numa só massa de desejo, medo e ódio; um ódio de si mesmo que Marivaldo por vezes tentou deter, mas que a muito o possuíra por completo

–Senhor...

– Senhor?

Ecoava, no último estado de sua consciência, como uma reza, a voz de Minerva que se revelara pela primeira vez, transpassando-lhe o pensar. Firme e grave voz de mulher que tomou a si sua atenção.

–Senhor! Espero que haja uma boa razão!

Repetiu Minerva, num tom que beirava o exaspero.

– hein!..

– Sim!

Respondeu Marivaldo, saindo de seu íntimo estado de dispersão para encontrar-se naquela fria sala, defronte a Minerva, e soltar seu desabafo: – sim, há um bom motivo. Eu sou o assassino de
minha esposa!

Assim Marivaldo, assassino confesso, tirou de seu ombro o peso do desamor, enquanto Minerva S. Dias, delegada do décimo segundo batalhão da policia militar do Estado de São Paulo, fitou-o com espanto, num dia dezesseis do verão de 1995...

CRISANTE


PraEla

Mulher de paz
Guerreira...
Trava por dia mil combates em silêncio
(e todos a tomam por quieta...)

Se é na sabedoria do olhar tranquilo
que ela traz tormenta e turbilhão,
é que a alma impura e bela
(por isso mesmo dela)
esta pr'além do bom senso (e da rima, que não veio)

Talvez ela até se divirta mais
com a falta de imaginação de tantos
lembrando sempre que é luz
pensando sempre que é paz..."

Ítalo Malta

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

O HOMEM QUE BEBEU O MAR


Era sexta feira de um dia vinte e três, Pedro já se ia trabalhar...

Pedro era só um nome, como todos os outros que vivem de um trabalho.

Mas Pedro pensava de outro modo, e levava sua vida como se leva a vida neste nosso século:

Servente de pedreiro da construção civil...

Pedro Augusto da Silva era como nós. Como eu. Descontente em seus modos rudes, mas boa gente, bom pagador. Sabia levar a vida, e a levava com a precisa comunhão dos que só se sabem à deriva ao findar de cada mês.

É engraçado lembrar-lo. Para mim um homem como Pedro é uma imensa perda de tempo

– ainda que em minha sã consciência não possa creditar grande valor a essa escala de ordem. Mas era chegado o vigésimo terceiro dia, dia mágico na vida de Pedro, dia que jamais se ia acabar – bastasse ele descobrir.

Arrumou-se como de costume, fez tudo o que de costume é feito – tudo aquilo que não sei da existência particular e corriqueira de um homem nascido à margem deste século – e foi-se, rumo à sua lida, no grave trepidar de um velho Mercedes.

O caminho era imenso até o seu trabalho, e o tempo passado naquele ônibus igualmente imenso, mas isso pouco importava à sua cabeça. Homem circunspecto desde muito moço, Pedro, sem saber de sua circunspecção, ponderava acerca da vida em longas espirais de pensamento. Falava a si mesmo de sua filha, de como ela seria linda caso o amor de Estela não tivesse chegado ao fim. Desenhava em sua mente imagens distorcidas da vida perfeita que outrora sonhara, e seguia, em pensamento, até o dia de sua morte, para constatar o temor por ela e constatar que por muitas vezes a desejava, como se deseja também da noite fria um sopro mais de sua frieza sem cor.

– Êta caba besta que sou. Êta caba besta que sou! Não é hoje que tu vai morrer por mulé.

Mulé é bicho bom que dá em abudança, basta duas bola de fogo pra tu tumá corage e arrumar outra – se convencia, a fim de fugir do desamor. Continuava então sua trajetória – a vida do homem é mesmo assim, cheia das mais inúteis e adoráveis preocupações para, depois, findar-se em si, na aflição de uma súplica sua...

Demasiado outro, bem distante de mim, Pedro perseguia, com ainda mais vigor, seus próprios pensamentos, se expandindo ao deslizar de seu acento no momento exato do mover abstrato de sua mente. E lá se ia Pedro, minorando a angustia matinal em sua lida despretensiosa. Lá se ia Pedro e o caminho cada vez menor de sua viagem. E já se via o destino, se via já a primeira imagem do esqueleto de ferro e concreto que o próprio Pedro já soube outrora avistar, mas que agora era ponto cego, porque Pedro Augusto da Silva, naquele momento, nasceu para si, vitimado por seu coração... Assassinado por seu poeta...



CRISANTE

domingo, 19 de agosto de 2007

Silêncio...

Pedi a mim mesma, já sem palavras

Na espreita, tentando me escutar

Acho que fiz barulho

Neste lago não há peixes

Espera, acho que ouvi alguma coisa

Não, não é você

Entre o salto e o pára-quedas muito se abre

Aonde foram as fadas, os instantes etéreos, o idílio

Acho que estou sonhando

Vejo borboletas

Quase posso tocá-las

Quase posso lhe tocar

Em nosso silêncio muito se dizia, se diz, se dizem

Em nosso nós muito se desata

Em notas suaves compomos

Mas as palavras acabam

Letra por letra

Ponto por ponto

Ponto

...

Anna O.




Conceitos são estruturas fortes o suficiente, para aprisionar os que não sabem viver sem grades.

As pessoas não são iguais, por isso as relações também não têm como ser iguais...
Parece óbvio: Semelhantes sim, não iguais.
Em que pese esta heterogenia, nos comparamos o tempo todo. Estamos a cada minuto buscando uma idéia que veio antes, um exemplo já dito, uma estrada já trilhada, para fazermos igualzinho.
A idéia de amor, a idéia de família, a idéia de crença...
E neste mundo tão ‘conceitual’, onde as formas, os certos, os errados são pré-concebidos pelos julgamentos dos ‘homo sapiens tudo’, dá medo transgredir o natural e se dizer feliz com o que não convém, ou melhor, com o não convencional.
Eu assumo, tenho medo.
Que medo que dá de gostar do lobo-mau, se identificar com a bruxa e preferir o sapo ao príncipe.
Que medo que dá de não querer um emprego estável, de não ser um modelo de bondade, de se satisfazer com metade.
Que medo que dá de ser feliz com pais que são amigos, amigos que são irmãos e irmãos que são filhos.
Papéis trocados? Invertidos?
Papéis rasgados! Porque são frágeis demais para agüentar a tinta da caneta.
Às vezes ama-se o que se odeia e odeia-se o que se ama. E neste reverso fundamental construímos a ponte que nos liga ao mundo.
Vivamos pois, apenas vivamos. Acredito que a vontade precede a obra e a vida se encarrega da maré.
Busquemos o algo mais ou o algo menos.
Façamos o tudo ou o nada, o que der na telha, na cuca, sem nos preocuparmos demais com a esquina a dobrar, a página a virar.
Por certo, em algum momento, nos puxarão as orelhas e os tapetes, mas decida, a vida é sua.
Encaixe-se, se gostar da caixa, se enquadre se a moldura lhe parecer bela, mas faça por querer, ‘torne-te quem tu és’ todos os dias.
Eu? De vez em quando me faço de morta, ou de louca, ou apenas digo a verdade, é quando ninguém acredita em você; e suas palavras? Falácias.

Anna O.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

CAMINHO

Caminho
Caminho
Lento
Penso
Apresse
Corra
Onde pensas?
Apresso
Já não lento
Mais, mais
Caminho
Dói
Mais, mais rápido
Caminho
Caminho
Já não penso
Sinto a dor
Doem meus pés, meu corpo
Cansada
Caminho
Cansada
Mais, mais
Rápido
Já corro
Já não sinto mais
Já não há dor
Já não há corpo
Já não há
Caminho


Anna O.

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

APÓCRIFO


Poeta,

Um pouco disto e um pouco daquilo

E todo o mais que necessites

Na ponta fina deste teu viver.

São duas vírgulas para fazer-te um ponto

Duas naus te fazem doido

De mais, fica-te o dreno agudo da paixão

E do prazer


Existe o sexo, poeta

A fêmea que transborda umidade

Deixa-te sempre o seio intumescer

Como os guizos dobram de saudade

E roseiras, que te permitem o mel

E que já não mais te podem ser


Sois inexorável, meu caro poeta.

Parco? Talvez

Mas inda que te fiques em duvidas

Derramas teu crepúsculo numa breve esfera,

E fazes a vida antes da vida, num segundo mágico

De poesia...


CRISANTE


SETE VERSOS DE AGOSTO


Eu plantei um narciso

No chão da minha fazenda

E se não me veio em dor

Era pasto das antenas


Eu plantei um narciso

Sem sequer ter visto um

E quando me era dor

Era culpa da saudade


Eu plantei um narciso

Tão lindo e amarelo

E se me foi culpa de amor

Não sei se quero lembrar


Eu plantei um narciso

No coração da moça triste

E quando me fiz rancor

Eu me fiz um verso triste


Eu plantei um narciso

Sem saber (sequer pensar)

Que toda forma de ser

É outra forma do ser’amar


Eu plantei um narciso

No coração do ser fazenda

E quando o vi nascer

Já não sabia ser fazenda


Eu plantei um narciso

Eu plantei amizade

Eu plantei um verso triste

No tristonho céu da minha tarde


CRISANTE

Soneto de Renovação


Ganharia asas onde urdi

Meus sonhos (minhas vidas)

E de cores entendidas

O que nunca esqueci


Uma velha estrada –

Talvez velha demais –

E cada pedra deixada

A fim de outras iguais


A luz a muito perdida

A quimera esquecida

No baú de anseios siderais


Ganharia asas na lua

E do que me foi parte sua

O maior dos meus ideais...


Caio Tales Resende


Publicar postagem

evolução em dois tempos

Era sem fogo que tu me comias...
(Não obstante o álcool)
tratava logo de olhar pro canto – olhar que dista... olhar sem pista
–, de segurar leve, sem ser sentida pela minha mão
sudorí-pára

Era bem uma agoni'antiga
Essa de sua ausência de fogo
(Não obstante a pirotecnia toda de sua insinuação...)
Nunca tinha me queimado
Embora só quisesse incêndio entre...

Talvez ali até tivesse algum calor
inicial, insipiente, insuficiente, fulgás...
mas era ainda primitivo demais
como o calor feito de pau, pedra e esforço
e eu queria pólvora, pó voraz!

Acendendo, queimando, aquecendo,
forjando, explodindo, fodendo tudo!
(Como o verso que talvez não precisasse de um f no lugar...)

Sim, amor meu...
Eu só queria ter aberto esse veio de tinta quente antes
pra que ficasse desde o início explícito
qu'era de tu, escrita minha,
que me faltava fogo!

Agora, incendiado
incendiabo
escrevo pra que tu, ex-cripta
queime os olhos que te percorrem...

Ítalo C. Malta

[Adorei seu convite, "Ambrosina" querida! Muito bom ter um lugar pra trocar isso tudo que a gente nem chama, nem tem nome, mas tem alguma coisa, algum sentido, algum trem transbordando... vou ajudar-te a abrir caminho e enveredar por aqui e por onde mais... um beijo]

sábado, 11 de agosto de 2007

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

CANÇÃO DE AGOSTO


Meu pai era malandro

Meu avô era velho

Meu irmão cozinheiro

Minha tia o meu tio


O vizinho fofoqueiro

O patrão era dinheiro

O amor passageiro

Era valsa o amor


Quanta gente, meu Deus

Quanta gente

Aqui e adiante,

A vida se faz aberta


Quanta gente, meu Deus

Quanta gente

E nesse mundo de gente

A razão do ser poeta


CRISANTE

PEQUENO POEMINHO TRISTE


Um novo poema

Acordou em minha porta

Miúdo poeminho

Nasceu ao meu lado

No findar de um carinho


Por que o poeta chora sozinho?

Por que não veio o poeminho

Que fiz na contramão?


Eu fiz um poeminho

De asas e renda

Murcho poema

Carecido de amor


É meu ser sem forma

Este girassol

Sim, eu me fico gira-sol

E me fica negrume

O teu jeito de amor


Que teima minha

É o meu poeminho?

Que grande sol é o teu desamor?


Bastasse este como

Meu castigo

Mas a dor de um poema antigo

Só se queda num beijo de amor...


CRISANTE

ABECEDÁRIO



Confesso: não sou um tipo boêmio

Muito embora haja em mim,

Timidamente, uma ponta

Particular de boemia.

Tampouco sou do tipo esteta

Que se vende facilmente por aí.

Sou, na verdade, um tipo peculiar de ser-sem-tipo,

Um destes napoleônicos sem cerne,

E volto sempre ao mesmo ponto.

Acho ainda toda esta gente

E estas idéias todas extremamente chatas

Como por desventura uma árvore frondosa em que

Não se encontra o fruto jamais colhido.

Digo-me Arnaldo Bastos Crisante,

E levo meu nome na ponta da letra

Sem pormenores de minha pessoa,

E vos escrevo – tal como sempre fiz comigo.


CRISANTE

Abrindo a vereda, pra deixar passar afeto e letra...


[... não gosto de rimas. Na verdade não faço questão de usá-las... se surgem, é por já não haver espaço pra não rimar, aí eu deixo... fica lá, a rim'ousada logo no título...]

quando pensei, quis. relutei, é verdade... mas quis, quis muito, com aquela vontade de quem espera da escrita o segredo e a graça do firmamento expostos, dispostos a se manifestar... quis juntar meus bons amigos e amigas e companheiros e companheiras e amores e amores e amores em torno disso – "blog" –, dessa ausência de causa e presença de espírito... quis escrever pra eles e pra outros mais, inomináveis, inumeráveis outros que talvez não passem de um (visitante desavisado que caiu aqui por mero acaso...); quis ler o que eles escrevem também, e o que outros escrevem também... e penso que tudo isso vale...

meu computador me esfria, meu aquecedor é a escrita... sem muito a dizer nesse início, nessa abertura da vereda de coisas torcidas a dizer (como os galhos das árvores secas do sertão...), digo bienvenue a todos os amigos e outros que aceitaram meu convite pra escrever aqui e compartilhar dessa tentativa de plantar uma selva de textos, poesias, ensaios, coisas inclassificáveis etc. etc. etc... mas principalmente por desejarem criar aqui uma selva de afetos... digam, desdigam, redigam, contradigam... mas façam as palavras rangerem, como numa moenda antiga... o silêncio sempre será bem vindo, se vier dizer algo... a mudez, a besteira e a ladainha a gente pega pra ler com óculos de grau minúsculo, que é pra rir e reduzir...

A vereda não foi ainda totalmente aberta... o caminho ainda é muito estreito pra que todos passem... então é preciso que vocês, outros, usem também seus facões e foices pra desembrenhar a trilha e criar outras. Meu filósofo já disse: "todo caminho é bom, desde que as saídas sejam múltiplas"...

Abraço terno e sedento [de quê?]

Verônica