sexta-feira, 24 de agosto de 2007

O HOMEM QUE BEBEU O MAR


Era sexta feira de um dia vinte e três, Pedro já se ia trabalhar...

Pedro era só um nome, como todos os outros que vivem de um trabalho.

Mas Pedro pensava de outro modo, e levava sua vida como se leva a vida neste nosso século:

Servente de pedreiro da construção civil...

Pedro Augusto da Silva era como nós. Como eu. Descontente em seus modos rudes, mas boa gente, bom pagador. Sabia levar a vida, e a levava com a precisa comunhão dos que só se sabem à deriva ao findar de cada mês.

É engraçado lembrar-lo. Para mim um homem como Pedro é uma imensa perda de tempo

– ainda que em minha sã consciência não possa creditar grande valor a essa escala de ordem. Mas era chegado o vigésimo terceiro dia, dia mágico na vida de Pedro, dia que jamais se ia acabar – bastasse ele descobrir.

Arrumou-se como de costume, fez tudo o que de costume é feito – tudo aquilo que não sei da existência particular e corriqueira de um homem nascido à margem deste século – e foi-se, rumo à sua lida, no grave trepidar de um velho Mercedes.

O caminho era imenso até o seu trabalho, e o tempo passado naquele ônibus igualmente imenso, mas isso pouco importava à sua cabeça. Homem circunspecto desde muito moço, Pedro, sem saber de sua circunspecção, ponderava acerca da vida em longas espirais de pensamento. Falava a si mesmo de sua filha, de como ela seria linda caso o amor de Estela não tivesse chegado ao fim. Desenhava em sua mente imagens distorcidas da vida perfeita que outrora sonhara, e seguia, em pensamento, até o dia de sua morte, para constatar o temor por ela e constatar que por muitas vezes a desejava, como se deseja também da noite fria um sopro mais de sua frieza sem cor.

– Êta caba besta que sou. Êta caba besta que sou! Não é hoje que tu vai morrer por mulé.

Mulé é bicho bom que dá em abudança, basta duas bola de fogo pra tu tumá corage e arrumar outra – se convencia, a fim de fugir do desamor. Continuava então sua trajetória – a vida do homem é mesmo assim, cheia das mais inúteis e adoráveis preocupações para, depois, findar-se em si, na aflição de uma súplica sua...

Demasiado outro, bem distante de mim, Pedro perseguia, com ainda mais vigor, seus próprios pensamentos, se expandindo ao deslizar de seu acento no momento exato do mover abstrato de sua mente. E lá se ia Pedro, minorando a angustia matinal em sua lida despretensiosa. Lá se ia Pedro e o caminho cada vez menor de sua viagem. E já se via o destino, se via já a primeira imagem do esqueleto de ferro e concreto que o próprio Pedro já soube outrora avistar, mas que agora era ponto cego, porque Pedro Augusto da Silva, naquele momento, nasceu para si, vitimado por seu coração... Assassinado por seu poeta...



CRISANTE

Nenhum comentário: