terça-feira, 28 de agosto de 2007

O RIO



Minerva, um doce nome para uma mulher. E sabia Marivaldo que sua vida não mais seria a mesma. Ele que naquele dia saíra de casa carregado de todas as aflições possíveis, soube, naquela hora, no segundo exato da ocorrência, que sua vida estava para mudar num breve espasmo de alegria. Porque ela, Minerva, herdara da vida o olhar de sua já falecida mãe, mãe amada que a morte lhe soube tirar cedo demais – Marivaldo, que nunca na vida conhecera o pai, perdera a mãe, quando ainda criança, por motivos até ali desconhecidos vindo então a ser criado por sua tia, no estado do Paraná, sob rígida educação católica. De Minerva pouco se sabe, a não ser que ela era mulher de personalidade forte que aparentava seus trinta e poucos anos, um tipo que vivia para o trabalho, e que era solteira por condição.

Mas lá estavam, Marivaldo e Minerva, frente a frente, como os dois estranhos que de fato eram ao mirassem em inversa busca íntima, procurando um no outro qualquer coisa de verdade que lhes pudesse acusar. Mas era pouco para eles, e Minerva era como um trovão, feita de danos e inúteis papeis, simulando sob sua fragilidade mulherio o aspecto áspero de sua função; já Marivaldo era homem entre os homens, feito de afetos e valores sujeitados do pretérito imperfeito de sua saudosa e velha infância, para ser quem era e causar choque.

Enfim, de tudo, surge a primeira palavra, a palavra primeira de um tenso diálogo que Marivaldo travava consigo desde o primeiro fitar de olhos de Minerva, e que só então se fez perceber.

– Ora...

Por conseguinte, a partir dessa palavra, deu-se todo seu pensar, na irreversível forma do diálogo.

– Ora, será que devo?...

–... É inevitável agora que estou aqui... Mas me sinto tão tolo e assustado...

– Não deveria ter vindo! Raciocinava Marivaldo, entre rodeios, quase que desistindo daquele embate, num estado de profunda hesitação. Minerva, por sua vez, do outro lado – lado de fora –, permanecia a fitá-lo em silêncio, esperando dele algum tipo de espontaneidade – presumo eu, ainda que pouco saiba de seus pensamentos.

Assim seguia cada segundo, e todos somaram a eternidade que jazia sob a sombra íntima do duvidoso ´´eu`` de Marivaldo. Todos os seus pensamentos transbordavam, e ele os multiplicava, e tudo vinha à tona, e tudo era amargo e mordaz, como tudo de vida que mais vivera – sim, porque Marivaldo era homem dos mais sofridos, e por isso estava ali, frente a Minerva, por isso estava ali a fim de confessar-lhe sua mais profunda dor.

– Essa mulher, Minerva, ela pode me ajudar. Ela tem um olhar que lembra o da minha mãe, mas ela não é minha mãe...

– Quantas noites não dormidas pensando nela...

– Eu não consigo mais, não posso mais!

– Como pude então?!

– Se eu não tivesse saído mais cedo...eu não a encontraria...eu não...

Transbordava Marivaldo, e seus pensamentos, como um vulcão prestes a explodir em furiosa erupção, misturavam-se numa só massa de desejo, medo e ódio; um ódio de si mesmo que Marivaldo por vezes tentou deter, mas que a muito o possuíra por completo

–Senhor...

– Senhor?

Ecoava, no último estado de sua consciência, como uma reza, a voz de Minerva que se revelara pela primeira vez, transpassando-lhe o pensar. Firme e grave voz de mulher que tomou a si sua atenção.

–Senhor! Espero que haja uma boa razão!

Repetiu Minerva, num tom que beirava o exaspero.

– hein!..

– Sim!

Respondeu Marivaldo, saindo de seu íntimo estado de dispersão para encontrar-se naquela fria sala, defronte a Minerva, e soltar seu desabafo: – sim, há um bom motivo. Eu sou o assassino de
minha esposa!

Assim Marivaldo, assassino confesso, tirou de seu ombro o peso do desamor, enquanto Minerva S. Dias, delegada do décimo segundo batalhão da policia militar do Estado de São Paulo, fitou-o com espanto, num dia dezesseis do verão de 1995...

CRISANTE


Um comentário:

Ítalo Malta disse...

O Rio da suspeita minha (suspeita de demasiada introdutoriedade do escrito, suspeita da ausência de verdadeiro mistério ou tensão na narrativa...) vinha por quase transbordar, sem querer acreditar que não havia qualquer coisa além do supeitado instante de arrebatares afetivos entre um e uma... indefinidos mesmo pelo artigo, Minerva (a decisória, a detentora do voto final, da condenação ou da liberdade...) e Marivaldo (homem, menino, assassino saudoso da mãe ambígua e sempre ambivalente...) os dois simplesmente transpuseram o rio das minhas suspeitinhas para o veio do insuspeitado com apenas uma descrição fria, objetiva – quase jornalística – de uma cena dos mil cotidianos, cotidiamos e cotidiodeios que acontecem pelo secar de cada hora... obrigado pelo conto, Crisante!

Ìtalo