CRISANTE
sexta-feira, 30 de novembro de 2007
MICROCONTO
À moça que passa...
Vai a falta de sentido
Duma trama vã
Pela barra do vestido
De alguma avelã
Vai sorrindo passar
Fazendo figa
Num veio solar
De alguma intriga
Como uma rosa na mesa
Que o tempo decide
Ou mosca que nunca incide
E logo enfrenta a madureza
Vai sinhá trescalando vileza
Num ponto qualquer
Vai dissolvendo a tristeza
E, de amor, se torna mulher!...
Louca
Foice e sexo
Tua palavra embala
Vórtice
Ou signo da cabala
É saber que goza
Alice em seu país de
Maravilhas
Não é coisa como prosa
Nem é tarde como o dia
Nem é hora, nem é lítio
Outra...
Deita o nome e porfia
Foice e sexo
Tua palavra embala
Mas se te chamam
O que irás responder?
Louca !
Teu delírio finge
Teu abraço mata
Teu amor sufoca
De tanta liberdade
Mas se te chamam
O que irás responder?!
O que será o teu nome
Onde será o teu ser?!
O que podes então
Louca!
E teu signo poesia
Deixa o vento passar
Deixa o rio passar
Deixa a morte passar
E se ri
E se mata, e é vida, quem diria?!
O teu nome, Capitú, não
É fácil como o dia!
Crisante
Cantar torto
Do chorar inquieto ou de inspirações bucólicas
Tampouco se arvora
No poetar da inalcançável criatura
Meu cantar, igualmente déspota e anárquico
Não se comove com o atroz sistema
Capital
Social
Filosofal...
Romantismo, intelecto, estética
Vil Parnasianismo!
Os famintos da Etiópia
Os fartos de Adis Abeba
Vozes do mundo
Meu cantar vos despreza, meus gemidos os olvida
Meu cantar é pobre e não almeja
A Terra Santa, mas o bacanal
Pois sou a vós da que acasala no deserto
A lambida do Judas traidor
Cobra penetrando Eva
Sou o nó onde desata a ironia
E ao pé dos devotos hipócritas
Meu cantar trepa, geme, goza...
Meu cantar é pobre e ira
No encarcerar da torpe moral
Excremento aos bons costumes!
Falos nas traseiras dos respeitáveis!
Nos bastidores desta peça hipócrita
Cair de máscaras
Sou gozada por um nefasto infernal
Cínico patriarca, falo flácido da moral!
Com a bandeira patriota
Sodomizo a safada
Mãe de família, meretriz disfarçada!
Meu cantar é pobre e seu vício
Imoral, amoral, anal
Fala dos falos, degusta os lábios
Acalenta os seios, arranha as costas
E sua digna paixão
Adultério
Em si mesma existe, a si mesma completa
Escarnece de heróis e santos
Zomba da amizade fiel
Pois a hedônica saga do meu cantar
Traição é prazer
Vício é vida
A arte... delírio!
O Céu De Cada Torre
É estranho...
sabê-la intangível,
Na incompreensão dos fatos
Mortificada, e vivê-la
Por metáfora mnemônica
Como quem vive sem estrada.
Em lugar do calor surgida,
Desfigurando os últimos passos
Daquela nossa dança,
Ela vem e vem...
Cheia de laços; por sob a pele
A carne é uma espécie de loucura
E em nada trama passiva se ocorre
No seio da chama por bem da própria morte.
A mulher é um estado de graça –
E de engano, e de loucura – musa das orgias
Soporíferas, trânsfuga da noite e da manhã.
...A mulher é estado de graça...
Engana o sexo; a vontade é o punhal de sacrifício
_Puta...puta,puta!
Diz o homem e não se engana
E já não é problema ser puta
Já que toda mulher é puta quando ama.
CRISANTE
Sobre a lenda e o arco
Sou esta coisa mudando
Certamente isto de que
Se ouviu falar e que nada
Além era...
Pássaro de asas cortadas
Nau perdida que talvez
Nalgum outro dia deixou-se
Velejar...
Moças na calçada vestida
Do sonho dessa nossa conquista
Insondável...
Sou como o mar que marulha
Dentre coisas tantas,
Um afeto sempre a se dar...
CRISANTE
sábado, 24 de novembro de 2007
Ambígua
Aqueles olhos a fitar-me
Querer, manipulação
Me sinto em perigo
Fera no cil
Desprotegida, a ser traída
Por meu insano desejo
Aventura proibida, néscia luxúria
Meu pensar, suor, calafrios
Despir-me em seu pegar másculo
Senti-lo em mim, estremecer...
Seus olhos me fogem
Mon homme désiré
Oculta-se, a chamar-me
Persigo, louca, cautelosa
Encontro em trevas
Longe de olhares e olhados
Ofegante
Trêmula
Faminta
Sascio-me néscia
Sinto sua essência em meu céu
Acolho sua firmeza, delirante inferno!
Sobrevoam-nos lúgubres vultos
A entrelaçar-se com angélicas criaturas...
Delírio... demônios em êxtase
Gemo
Sufoco
Explodo!
Retorno às luzes
A dissimulação do desejo
Agora satisfeito
Regressa aos meus olhos solitários
Olhos tristes, cabisbaixos
Olhar de mãe patriarcal
Fitar de esposa submissa
Olhos medíocres
sábado, 10 de novembro de 2007
CLARISSE
O silêncio, ela quis amor e chamou minha imagem...
Silenciado, assim, trancado
Dentro do olhar que o tempo fechou,
Eu provei o sal de suas lágrimas e
Busquei meu lugar no esquecimento fantasiando minha primeira paixão
Ela quis o amor e chamou minha imagem por onde nada fez sentido; e seus ombros, seus ombros se Abriram para o abraço que pedi...
ANJOS
Por que criaste-me deus dos caprinos
Com cegos chifres retraídos?!
Por que não quiseste-me Afrodite
Para matéria bruta da lisa flor?!
Eu que a cada dia provo,
Semiergo-me, a cada dia,
Do intercolóquio das minhas pulsões,
Como João Silva, trabalhador, ajudante de pedreiro
Da construção civil. Porque não me faço valer!...
Deus, eu te confesso: se houvesse em ti um deus
E houvesse em mim um Diabo, eu levaria
O menor de teus pequeninos e com ele sujaria
Por longas noites o meu já tão sujo canil!
MOTIVO
Me fiz no cerne dessa dificuldade que em tantos se acha
para chegar ao ouvido da moça, do velho, do amigo e de quem mais for.
Não soube de outro jeito expandir-me, sair de dentro – esse que não existe – e cair entre, lá onde é possível o afeto. É que sou desses que amam, sou dizer torto, torcido
– exatamente assim –, e é tão logo que não sou nada...
Mas eu me fico no poeta, homem retraído prestes a explodir num beijo...
Ah, se pudesses em ti confortar um ou dois destes versinhos, saberias também que nada neste mundo é se não for por amor e que nada se pode ser se não se for amar, antes de tudo...