segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

HAVER DE UM QUERER



Há a morte como coisa que eu quisesse, tal é para mim o absurdo de me ir pouco mais a cada manhã, qual o trago que toca-me a libido, qual o xadrez que devora-me a rainha. Há a solidão no solstício que me vai tocar de novo e de novo uma vez mais a cada manhã. Há solidão que me é o perigo, e ao estar-me só eu desenho versos como coisas de que nem sei o nome.

Arre, minha dama impossível! Meu alecrim não soube vingar... Minha vida é sempre um perigo vibrando na pele de quem me vai tocar. Ah, minha moça invisível, eu caminhei sozinho por este campo escuro e, quando fiz amigos e fiz-me o nome amigo, tu te voltas-te ao arrancar-me o tampo...

Uma noite só para escrever-te o perigo. Uma noite para a poeira que me cobre os móveis. Uma noite apenas para sanha medonha de quem se vive a vida desenhando versos como quem morre!



CRISANTE

domingo, 30 de dezembro de 2007

SEGUNDO SONETO FEITO CASTIGO



Tornei-me a escrever um verso sozinho

Na rua em que passei tão longe de tudo

E neste (re)verso em que inscrevi meu absurdo

Um menino pairava vivo feito pano de linho


A vida toda... E toda vez eu fiz este caminho

Desenhando frases e lidas e pontes e muros

E perdi-me o espaço para este tempo futuro

Eu perdi-me a loucura, os versos e o gosto do vinho


Mas deito-me, inda, ao corpo sedento e pesado

Como quem faz juras de morte e de vida

E como quem leva paga a dor da ferida


Eu crio trapos de mim em prol de um mísero trocado

E se me dizem que vivo mal ao Deus da aurora

Eu digo que minha fé é devota apenas do agora!



CRISANTE

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

SONETO


Você, moça da enfermaria, bem que podia

Por carinho ou dedicação

Cuidar dessa minha louca e triste cria

Ainda que por amor a profissão


Você que é moça todo dia

Ainda que investida de toda dedicação

Você podia – e bem que podia –, por bem de minha cria,

Carinhar a dor desta minha viração


Mas você, moça da enfermaria, que é

Tanto de noite como tal, e dia

Tal é o torna-moinho que nos inverte a fé


Não pode, porém, em tua alegria

Salvar minha louca e triste e fria criação

De vez que você, moça da enfermaria, é a alma de minha invenção



CRISANTE



quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

DE QUEM SÓ ESPERA

Há, às vezes, nesses dias chuvosos, uma espécie de mal-estar. Acontece. Esperar torna-se um vício. Nada toca. Nada se deixa tocar. De perceptível só o som da combustão de carros a motor que se chega sempre à porta, nesses dias chuvosos.A verdade é que a vida parou como um romance que perdera o enredo, e os esforças limitam-se ao ato de negar, não existe, pois, a possibilidade, nesses dias chuvosos. Tudo é tratado como estranho; Ouço vozes no cômodo ao lado: essas não me querem dizer nada. A vida parou. Por um instante tive a mesma impressão... Nesses dias chuvosos em que desistimos da vida, nada nos pode recuperar o fôlego de vida, nada é capaz de afetar. E ficamos assim – então parados – entregues ao instante, no nosso vício de esperar...


CRISANTE

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

A UM POEMA DESESPERADO

Eu vi um poema desesperado
prostrado numa torre velha.
Pequeno poema. Doido poema.
Era uma sela aquele poema.
De desespero e loucura,
Era um menino aquele poema.


E todos em baixo da torre,
Abaixo do mundo,
Quase longe de mim
– Quis dizer que todos estavam abaixo
Onde existe a terra onde sofre o poema,
Onde morre as gentes de todo o mundo – ,
Toda aquela gente desalmada
Dizendo que não é lícito o suicídio
Matou com as próprias mãos o meu poema.


Eu aqui no meu futuro – que hoje chamo presente –,
Eu aqui no meu canto que hoje chama desencanto
Tentando respirar o ar daquela torre mesmo sabendo que
Tanta gente morre dentro dela. Eu aqui na minha solidão,
Tentando entender como tanto gente quis o mal daquele poema,
Jamais encontrarei resposta que não o próprio poema...


Eu sei que minha vida tem um pouco disso
Inclusive ontem eu rezei a Deus,
Mas vejo como eu sou: a única paz que consigo é a paz que
Vem das minhas mãos. E hoje eu vi que toda aquela gente,
Aquela mesma que estava no chão querendo mal ao meu poema,
Querem também um pouco de mim. São eles todos feitos de prisão...


CRISANTE

domingo, 23 de dezembro de 2007

ÚLTIMO VERSO PARA FICAR SOZINHO

Ninguém vai perguntar por mim
Estou no caminho de ir embora
Indo para falar de ninguém
Coisa que fui nalgum outrora
Porque eu virei um monstro...
Estou indo ninguém perguntar por mim
Calado para ver se é melhor
Gritando para assustar o socorro
De alguém que não me conheceu


A vida toda eu fui assim
Sempre um verso para não morrer
Destroçado por minha grande mãe
A que me criou este doido
Que ora fala, ora vê
Estou indo ninguém falar comigo
Para ver se a dor assim se torna menor
Como algo que possa querer
Estou indo agora ninguém ser meu amigo,
Estou indo agora por onde eu possa ir,
E amanhã estarei dormindo...
Amanhã. Antes de você.


CRISANTE

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

BALADA DO SOLITÁRIO

Neste mundo de todas as coisas
A que se chama o agora
Nenhuma letra escreve-me o nome
Tudo que vem é esperado
Como tudo que um dia vida
Inesperadamente chegou-se ao fim


Espelhos permanecem calados
Afetos como pessoas não são encontrados
A poeira dos móveis me faz tossir
A brisa que passa leva alma e alegria
Correm nas paredes vultos imperceptíveis...


CRISANTE

PEQUENO CASTIGO DE RUA

Por fazer desses versos versos duros
De vez que não há motivo
Nem dor e tampouco alegria no que vivo
Passo sozinho cultivando muros


Ah! Rua, ruazinha pobre e vazia.
Tão vazia de si é a rua por que passo
E também a lua (coisa tardia)
E também a cor de um bicho que caço


É cor suave, solta como um braço.
Essa rua por que passo sem me ver
(Essa que guarda a espera em seu traço)


Essa rua é toda minha poesia
E diz, silenciosamente, que seria
Inda mais poesia não fosse eu apenas querer...

Crisante

À Capitú: Sereia, louva-deus e flor

´´Quando jurei meu amor eu trai a mim mesmo...`` (um doido aí)

Não careci de mais de três pontos para fazê-la mostrar Essa enorme língua...

Como seria tua cara de menina brava no cio? Aparentaria Aquela rosa com seus espinhos?...
Rosas que se buscam intimamente.
Rosa com seus apelos de rosa
Irmã da tua irmã que também se chama rosa...


Mas apontaste teu espinho para minha carne lisa.
Meu sangue escorreu até a base do
Teu corpo...
Estás suja de toda parnasiana beleza
Meu sangue limpo quase consegue
Sentir-te o cheiro do sexo


Capitú e Crisante: feitos suor e sangue.
Misturados a bem dessa vida pouco sabendo um do Outro...


Mas é apenas isto a que podes ver
Tão logo não saibas o que há
De engano na cama de minhas putas

Minha flor de cactos, já morri todas as mortes que Poderia morrer. E se sou inda um inocente é que toda essa Vida eu não fiz valer a pena...
Quantas cabeças minhas podes arrancar?

CRISANTE


segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Gozares...

"A primeira lei que a natureza me impõe é gozar à custa seja de quem for" (Marquês de Sade)

Tua inocência assusta
Teu pudor ensurdece
Pobre poeta
Só, se toca... padece...

Teu esmero encobre
Teu viver comportado
Inseguro mancebo
Moralista, enclausurado...

Tua fala não engana
Parnasiana poesia
Como? Poeta?
Poeta sem boemia?

Tua retidão, teus valores
Meu corpo no cil despreza
Eu no ápice da luxúria
E tú, rezas...

Teu pudor lhe cega
"Não queiras tu estar ao meu lado"
Quero-te em cima
Em baixo, dentro, suado...

Enquanto te arvoras
Em guerras coloquiais
Meu poema feito aviso:
Ai, ai, aaaiiii

Capitú

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

POEMA FEITO AVISO

Se te lambes o próprio dedo
É que também te podes desejar,
E o veneno que é teu, Capitú,
Que é em tu o teu lugar,
Tem o gosto de Judas.
Alimento do beijo que te vai matar.


És tu que não me sabes o nome.
Eu que me vou tão jovem,
Eu que nunca em mim me
Soube estar... Eu não tenho torpor,
Eu não quero torpor, não possuo,
Nem me quero, doravante, enganar


Não me compare, pois, aos Padres que
Te cheiram o assento, tampouco
Me diga por sob o choro surdo dos crentes!
Não sabes tu, Capitú, que teus pobres
E cegos espinhos mal me servem aos dentes?!
Não, eu não sou este de quem tu falas...


Não trago em mim espécie qualquer de
Romantismo, nunca em minha tola vida
Cantei a alguém canções de amigo.
Não, Capitú, não sou eu este mancebo
Poeta de quem tanto falas...
Se reconheces então em tu o teu perigo


Como te podes tão ingênua, perdida
Em teus domínios, achar que te
Quero ao meu lado, ou que te deva o temor?
Ah, virgem moça inconseqüente...
Como pôdes, a mim, dirigir tal sentença?...
Feito de facas, horas e mortes
Desejo-te, como a outra: sexo e imprudência.
Bela Capitú, não queiras, pois, a minha presença.
Não queiras tu estar ao meu lado... Não queiras jamais
Saber-me o nome!



CRISANTE

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Resposta a um comentário

O esmero de algo, a intenção oculta... um dom! Quisera ser um "dom" para qualquer transeunte que se vai, que se vem... mas não, não sou um dom! Sou como o vento que passa em um dia de verão, sufocante calor... trago refresco, mas da mesma forma levo poeira aos olhos... não, não estou perto... não me capturarias em seu torpor poético, Crisante, até porque não há torpor, não conheces o torpor, não sabes o fel que há em ser ludibriado por minhas curvas e ser abandonado sem pudor, piedade ou consideração... não, mancebo poeta, não é um dom ter-me, não o queiras... tenho em mim muitos espinhos, e nem todos estão dispostos a lamber os dedinhos, quiçá prontos!

Capitú

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Contagiante viagem ao mundo de mim

Sou um vício, um vício de ser palavra
Escárnio, melhor dizendo. Se falas,
Vou-me andando, caio seco
Sou como a tristeza feminina
Mas deito-me inda pelo prazer do sexo.
O amplexo que o algo define 'tal coisa alcalina
Que não sabe lidar com coisa alguma',
Sem motivos para ser diferente...
Sou também poeta (como coisa indefinida)
Zombaria! Troça! Sarcasmo! Motejo! Galhofa!
Isso mesmo de que falei; essa PORRA que comporta
O nome coisa e que não é NADA além de ela mesma –
Rosa temporã do mistério que criaste-me.
Sou Caio, ou este meu nome:
Galhofa/motejo/sarcasmo!
Que é este o meu batismo
Destituído de qualquer definição,
Para ser nada disso!!!


CRISANTE

Tabelionato dos Prazeres

Meu mundo de encantos
Eu vivo a sonhar
Regaço infantil
As mil aventuras
Pudica criança
- Mas que homem viril!

Lembranças e afagos
Boneca de pano
Pirlimpimpim
Sonhar, faz de conta
Sou fada, sou anjo
- Vem, pega em mim!

Andoleta, esconder
Correr, cai no poço
Biscicleta, garupa
Desenhar, fazer careta
Mímica, gargalhada
- Isso, me chupa!

Comer fruta no pé
Lambuzada de manga
Chupar melancia
Pipoca na praça
Correr de pirraça
- Vai, enfia!

Mochila rosinha
Sapatinho branco
Uniforme escolar
Merendeira recheada
Caderninho enfeitado
- Ai, ai, aahhh

Banhar nua no rio
Andar descalça
Colher flor, cheirar rosa
Cantar a ciranda
Jogar na varanda
- Desgraçado, goza!

Em mim moram duas
Distintas e lindas
Inferno e céu
A criança carente
A puta indescente
Qual destas sou eu?

Capitú